sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

A autoestima dos sapos

Eu prefiro ser rainha do que princesa! Mas, enfim... bora discutir sobre a autoestima de alguns sapos que a gente encontra por aí. É impressionante! E pior que se a gente não estiver com a nossa autoestima fortalecida , a gente cai na conversa do sapo e adoece emocionalmente. 


Embora eu não acompanhe o Big Brother, eu acompanho as redes sociais, e essa discussão me fez enxergar muita coisa que nós mulheres enfrentamos nessa sociedade estruturalmente machista: como a nossa autoestima é afetada pelos padrões estabelecidos, e a maioria dos homens, não importa o "qual sapo sejam", têm a autoestima mais fortalecida que a nossa. E o quanto isso "dá licença" para eles usarem esses padrões sociais e machistas para detonaram ainda mais a nossa autoestima.


Eu mesma já encontrei vários sapos que tentaram abaixar a minha autoestima:


"O efeito Cinderela acabou?" (fala desses sapos quando passei pela transição capilar)


"Se você engordar mais eu termino com você" (fala de outro sapo que me relacionei por anos, e tive até que optar pela minha saúde mental para não enloquecer ao lado "desse sapo").

Imagino que várias mulheres lindas, inteligentes, criativas, entre outras qualidades,  tenham sido intoxicadas por "um sapo" um dia. Eu não sei aonde eles arrumam tanta autoestima, afinal, são sapos.




Texto: Thaís Alessandra

Ilustração Desenhos do Nando

Texto autoral de Thaís Alessandra (@thais.alessandra_). *Não divulgue sem mencionar os créditos! Sujeito as penas da Lei 9.610/98 (Lei de Direitos Autorais)*

terça-feira, 9 de janeiro de 2024

Ponciá Vicêncio. Impressões e sensações a partir dessa leitura.

     Ponciá Vicêncio era de uma vila onde só tinha parentes que "formavam familiares entre si". Eram todos Vicêncios. Herança escravocrata que a vila Vicêncio deixou. 

    O que me impressiona nessa obra é a semelhança com a minha história e a de muitos afro-brasileiros, que têm que sair das suas cidades interioranas para a cidade grande (capital) em busca de uma nova história, uma nova vida, ou em busca de uma "ilusão" que as coisas irão melhorar na capital. E assim, muitos deixam as suas casas, cansados dos coronéis que enriquecem em meio ao trabalho árduo na lavoura, como Ponciá cansou de ver os seus, e inclusive o seu pai que perdeu a vida na lavoura para enriquecer um coronel da vila Vicêncio; soube também do seu avô que enlouqueceu a ponto de matar a própria mulher no desespero de não querer mais aquela vida miserável para si. Ponciá cansou de ver, viver e ouvir essas histórias em sua vila. O seu avô partiu (morreu) quando ela era apenas uma menina, criança de colo, e ela havia herdado uma herança dele, só revelada no final, desfecho surpreendente dessa obra.    Ponciá também não conseguia sobreviver do barro, em sua vila; barro esse que ela ajudava a mãe criativamente a moldar para transformá-lo em arte, miniaturas e objetos criativos. Então, devido a tudo isso, ela decidiu partir aos dezenove anos, pensando em voltar assim que ela se estruturasse financeiramente para dar uma vida melhor a sua mãe e ao seu irmão mais novo, o Luandi. 

    Ponciá sabia ler, aprendeu com os missionários em sua vila. Ela achava que isso seria o suficiente para se dar bem na cidade grande. Chegando de trem na cidade grande, deixou para trás seu irmão, a mãe e tudo o que ela amava. Virou pedinte na escadaria de uma igreja, onde ela se "hospedou" em uma marquise, e desesperada por uma oportunidade de trabalho ao abordar uma senhora nessa igreja, conseguiu "a tal sonhada oportunidade naquela cidade", ela se tornou doméstica em uma casa de família. E assim, ela se sustentou.

    Com o tempo, Ponciá foi ficando apática, "sem vida", e em suas lembranças tentava trazer a mãe e o irmão para perto de si; até que chegou a retornar a sua vila, mas não viu os seus, só conseguiu recuperar o seu avô-barro que ela moldou em sua infância. Foi vítima de violência doméstica na cidade grande, e ela apanhava do marido, o que a fez perder a vivacidade aos poucos, pois devido a tanto sofrimento, ela ficava parada as vezes, apática, sem conseguir se mover e olhando para o nada.

    Mal sabia ela que o seu irmão a procurava, e na tentativa de melhorar a própria vida, ele também foi para a cidade grande depois de Ponciá. Luandi chegou a dormir  na rua e foi encontrado por um soldado que o deu abrigo em uma delegacia, onde ele cuidava da limpeza do local. Ele queria obcecadamente ser um soldado e achava que se aprendesse a ler, conseguiria essa oportunidade. Depois de um tempo, Luandi Vicêncio também regressou até a vila Vicêncio em busca de notícias da mãe e da irmã Ponciá. Ele retornou com uma roupa velha de soldado , que conseguiu emprestado do amigo Nestor (soldado). Luandi se sentia importante com aquela roupa e queria que a sua vila o visse assim. Chegando lá, ele não encontrou sua irmã e muito menos a sua mãe. Mas, percebeu que elas estavam vivas, pois a irmã deixou um sinal da sua existência ao "pegar o avô-barro em um baú velho que estava em sua antiga casa; só podia ser ela, ninguém mais curtia essa lembrança". Então, Luandi teve notícias que elas estavam vivas. 

Algumas impressões e sensações a partir dessa leitura:

    Outra reflexão que me atravessa nessa obra são as oportunidades concedidas aos negros da roça que vão para a cidade grande.

     O umbigo dos irmãos enterrado na terra (vila Vicêncio) em que Ponciá e Luandi nasceram, representa espiritualidade, identificação e identidade com a terra em que eles nasceram, e que eles foram obrigados a abandonar em busca de um sustento na cidade para fugir do coronelismo, que eles pensavam estar somente naquela vila. Mas, Ponciá acabou se tornando empregada doméstica; uma moça extremamente criativa e cheia de sonhos que se perdeu ai. E o seu irmão Luandi, que se tornou agente de limpeza de uma delegacia. Como eles iriam ajudar os seus? Suponho pelo desenrolar dessa obra que ganhavam pouco nesses trabalhos que os foram concedidos na cidade grande. Além disso, a meu ver, parece só mudar os coronéis, pois se na vila Vicêncio eram eles quem enriqueciam as custas do povo que cada vez mais pobres ficavam apesar do trabalho escravo. Na cidade grande, não me pareceu muito diferente disso. Herança de uma sociedade escravocrata.

    A capacidade de delinear a dualidade dos personagens também me impressionou bastante no desenrolar dessa história, a exemplo do avô de Ponciá que matou a sua avó antes que ela a conhecesse, em um gesto de desespero e loucura devido a miséria de sua vida, por não aguentar mais ser explorado pelo coronelismo, herança escravocrata que os Vicêncios deixará em seu povoado-vila. Mas, ele também era assassino. O que faz dele uma espécie de vítima-vilão. E assim, há dualidade no companheiro de Ponciá também, que também carrega em sua identidade uma vítima-vilão, pois ele agridia e espancava a mulher, e ao mesmo tempo  sofria da solidão em uma cidade grande junto dela.

    A herança que Ponciá recebeu de seu avô também se destaca nessa obra, pois não é algo comum. É uma herança de personalidade; ela herdou o choro-sorriso, a loucura dele e o vazio que acumulou com o sofrimento vivido. Ela havia perdido sete filhos, se perdeu da mãe e do irmão também em busca de uma melhor oportunidade na cidade grande.

    O final também me surpreendeu bastante, o reencontro da mãe com os seus filhos, Ponciá e Luandi. Além disso, Luandi descobre que o seu sonho de ser soldado não era mais tão importante ao se deparar com a irmã tão "perdida de si, com a herança que o seu avô deixou para ela: o vazio, o jeito de se portar e a mente perdia no tempo.    Outro desfecho surpreendente é quando a mãe descreve que Ponciá era filha emprestada para ela, pois ela descobriu isso quando a menina chorou no seu ventre, e ela se acalmava no rio. Me parece que a trama também se desvenda com a espiritualidade ali presente. A meu ver, parece que a autora descreve uma filha das águas, filha de Oxum.    Outra personagem me desperta o foco na espiritualidade: a velha Nêngua Kainda, uma espécie de deusa-maternal, uma entidade conselheira mais velha que habitava na vila Vicêncio, e que acertava as suas previsões e todos a ouviam. Diante disso, a meu ver a obra retrata a espiritualidade da ancestralidade negra, como uma espécie de outra personagem para desvendar essa trama. Um dos romances mais lindos que li e "me tomou os olhos" por diversas vezes. 

     Ponciá Vicêncio - primeiro romance publicado de Conceição Evaristo.

Por Thaís Alessandra

segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

Ano, novo?

Ano, novo?

A divisão do tempo 'passado-presente-futuro' é uma ilusão que parece real.

O tempo é continuidade e extensão do ontem.

Extensão do 'ontem-ano'.

A felicidade imposta de celebrar o efêmero dessa 'passagem-ilusão-real' faz o invisível social obrigatoriamente sorrir diante da promessa de um ano melhor, pois se entristecer é proibido, afinal, o ano é "novo".

Assim vários anos se repetem de fome, descaso social e político, desemprego, e no final, o sorriso imposto da festa de um ano novo.


 Poesia autoral de Thaís Alessandra (@thais.alessandra_)*Não divulgue sem mencionar os créditos! Sujeito as penas da Lei 9.610/98 (Lei de Direitos Autorais)*