domingo, 22 de outubro de 2023

Quarto de Despejo: diário de uma favelada/Carolina Maria de Jesus

 OBRA:

Quarto de Despejo: diário de uma favelada/Carolina Maria de Jesus; ilustrações de No Martins. -- 1ed. -- São Paulo: Átila, 2020. 264 p. Edição comemorativa.


PERCEPÇÕES PESSOAIS SOBRE ESSA OBRA:

O que me impressiona aqui é a fome como protagonista da sua obra, e a saúde mental afetada por essa "protagonista que rouba a cena sem ser convidada". Por diversas vezes, a autora menciona que tinha vontade de suicidar-se e viu diversos favelados passarem por esse desfecho:



"Ela disse-me que já está com nojo da vida.  Que não vê a hora de morrer.

Ouvi seus lamentos em silêncio e disse-lhe:

- Nós já estamos predestinadas a morrermos de fome!". PG 132

Já a autora padece desse mesmo mal:

"(...) Hoje acordei não temos nada pra comer. Queria convidar os filhos para suicidar-nos. Desisti. Olhei meus filhos e fiquei com dó.  Eles estão cheios de vida. Quem vive, precisa comer. Fiquei nervosa, pensando: será que Deus esqueceu-me? Será que ele ficou de mal comigo?". PG 161

(...)



Essa obra a meu ver é atemporal, e nos convida a refletir sobre a miséria e como ela afeta a saúde mental dos que estão à margem ainda nos dias atuais. ..


A autora em alguns trechos da obra se deprime e em "outros ela canta", canta principalmente quando a sua panela fica cheia e pode em raros momentos "matar à fome" dos seus filhos.


A minha impressão como escritora e artista múltipla é que Carolina de Jesus só não enlouqueceu ou morreu de fome porque "a escrita a alimentava".

FICA A REFLEXÃO:

Será que o Brasil se preparou mesmo para "libertar os seus escravos" ou apenas incutiu-lhes condições semelhantes após a abolição?

Como vamos acabar com a violência, se os que estão à margem vivem miseráveis, e irritados devido aos efeitos colaterais da fome.

Será que o Estado cuida da saúde mental dos (in)visíveis sociais, e quer mesmo os guardar e os proteger enquanto cidadãos de direitos?


Poderia expor diversas afetações pessoais sobre essa obra, entre elas:
 "ter uma ideia fixa sobre a fome, talvez seja a maior forma de nos matar", pois falar e pensar somente sobre isso tirou o tempo precioso da autora com os seus filhos e com a sua própria literatura.


A favela também escreve!

Sigo apaixonada pela literatura!


Indicação de 📚 leitura

QUARTO DE DESPEJO: DIÁRIO DE UMA FAVELADA, de Carolina Maria de Jesus #carolinadejesus 


Provocações:

Será que temos que ter o melhor português e estarmos vinculados a uma instituição acadêmica para sermos intelectuais?

Será que o conhecimento acadêmico é melhor que a sabedoria popular? 

Por que uma obra best seller foi considerada durante anos como uma literatura inferior?


"Eu disse para a Dona Maria que ia para a televisão.  Que estava tão nervosa e apreensiva. As pessoas que estavam no bonde olhavam-me e perguntavam-me: é a senhora quem escreve?

Sou e.

- Eu ouvi falar.

Ela é a escritora vira-lata, disse a Dona Maria mãe do Diogo. Contei-lhes que um dia uma jovem bem vestida vinha na minha frente, uma senhora disse:

- Olha a escritora!

O outro ajeitou a gravata e olhou a loira. Assim que eu passei fui apresentada.

- Ela olhou-me e disse-me:

- É isto?

E olhou-me com cara de nojo. Sorri, achando graça.

Os passageiros sorriram. E repetiam. Escritora vira-lata" (PERPÉTUA, 2000, p. 332).


Fica a dica de leitura! 📚 

Por Thaís Alessandra/@thais.alessandra_