sábado, 9 de novembro de 2024

Memória Ancestral

 🏹





Parece que roubaram a minha memória,

 que foi pega no laço.


Houve um apagamento ancestral da minha própria identidade,

que por muitos anos deixei que a definissem por mim, 

sem me sentir conectada a ela.


Mas essa memória é ancestral e (re)existiu ao TEMPO.


Ela é real e ancestral,

tão “visceral” que escolheu (re)existir para além do TEMPO,

e mesmo perdida nesse TEMPO,

me mostrou o caminho para (re)conectar-me com ela,

reconectar-me comigo.


Sinto que parece loucura deixar ela existir novamente,

pois se passaram tantos séculos após o seu apagamento.


Mas, o meu povo é real e existiu,

embora hoje extinto por aqueles que contribuíram com o apagamento dessas memórias.


Há um grito PURI que ecoa em mim e ele é ANCESTRAL,

Há um clamor dentro de mim que é visceral,

e mesmo que eu não tenha escutado por anos, ele era latente e real

Uma volta no TEMPO, que para o TEMPO,

e me leva ao TEMPO passado para me (re)conectar no TEMPO presente.


Memória ancestral, que me conduz às minhas origens,

para dar vida aos meus ancestrais,

e entender o tamanho da nossa força,

para libertar a nossa voz.


Poesia autoral de Thaís Alessandra (@thais.alessandra_). *Não divulgue sem mencionar os créditos! Sujeito as penas da Lei 9.610/98 (Lei de Direitos Autorais)*

📷 @artepenaforte /@penafortetalkshow

quarta-feira, 6 de novembro de 2024

CACHORRO VELHO da autora Teresa Cárdenas




Leia esse livro. Escrito pela autora cubana @teresacardenascuba .

Em Cuba, a escravidão foi abolida somente em 1886.


A obra retrata a escravidão pela óptica dos negros escravizados, personagens que nos encantam a cada momento.

A meu ver, essa obra é super sensorial, senti o cheiro do café com mel, aromas de flores e o tombo do cavalo. Foram várias as sensações. Além de reflexões profundas que "não saíram de mim", como o afeto sendo literalmente roubado de Cachorro Velho, ao perder a mãe e os amigos para os senhores de engenho, e em uma dessas perdas, tentaram jogar a responsabilidade em Deus, dizendo ser a vontade Dele, mas o amigo do Cachorro Velho tinha morrido era de tanta chicotiada do malfeitor.

O amor e tantos afetos foram negados aos negros escravizados, as mães tinham suas crianças vendidas para cobrir as dívidas dos senhores de engenhos. E nem a dor era permitido sentir, pois incomodava as "madames e os patrões". Desde aquela época fomos obrigadas (os) a sufocar as nossas dores e sermos fortes. Além do afeto que "nunca foi pra nós".

Obrigada autora Teresa Cárdenas📕📕📕
Encantada com a sua obra!

domingo, 14 de julho de 2024

Indicação de leitura: trilogia do AILTON KRENAK

 Indico essa trilogia do Ailton krenak porque além de abrir a nossa visão ancestral sobre esse mundo, vai expandir o mundo para outras narrativas para além da eurocêntrica, colonizada e capitalista. 



Pensar na sustentabilidade como algo orgânico, inato a cada ser vivo, não só o humano, seria o ideal ao invés do entendimento da sustentabilidade como uma disciplina acadêmica ou algo separado de nós, como o conceito de meio ambiente. Para o autor, o conceito de humanidade está fadado ao fracasso porque separa o homem da natureza e entende a natureza como um recurso a ser usado ou explorado . E ainda na obra IDEIAS PARA ADIAR O FIM DO MUNDO, KRenak nos faz refletir que devemos deixar um Rio para sete gerações futuras, mas a gente usa como se fosse um recurso e destrói o Rio. Além disso, ele nos mostra que uma pedra tem família, tem personalidade própria e um rio é um ancestral , ele sempre esteve aqui antes de nós. 


Já na obra FUturo Ancestral, @_ailtonkrenak enfatiza a lógica  da cidade em relação aos rios, que são nossos ancestrais, são caminhos e são memórias. A cidade asfixia os rios, enterra eles vivos, sai cimentando tudo ou transforma em esgoto.


 O autor critica a educação formal em ambas as trilogias e  pontua que as crianças indígenas nascem com o coração no ritmo da Terra e que elas experimentam mais a vida . E na educação formal, elas são formatadas e acabam se tornando futuros destruidores dessa Terra. A Terra para o autor é um organismo vivo e mostrou isso em 2020,sendo enfatizada essa perspectiva na obra A VIDA NAO É ÚTIL.   Algumas falas despertaram muita a minha atenção nessa obra: "o poder não é algo sobrenatural, ele é natural. (...) A Terra tem tudo que precisamos, mas se você precisar de uma casa na praia, um apartamento na cidade ou Mercedes-Benz, não tem pra todo mundo"...


Essa trilogia de Krenak nos mostra que o conceito de civilização e humanidade está associado a ser um consumidor , e estamos consumindo também a  Terra . Além disso, existe uma lógica de sanitarização envolvendo a terra, "tudo que tem terra é sujo, o ideal é comprar no supermercado porque vem limpinho" .


Bora refletir e mudar de rumo?  📚


Por Thaís Alessandra 

quinta-feira, 16 de maio de 2024

MARIANA: O LIVRO DOS MINERAIS, de Mo Maiê


 Sabe aquela obra que você não consegue parar de ler? 

Pena que retrata uma memória-ancestral-oral de um Rio que se foi, e de um povo que se foi e vivia às margens de Watu (Rio doce), vítimas da lama-Vale. Na obra, senti o cheiro da comida que saia do fogão a lenha, a dor de Watu, a perda da cultura de um povo que vivia em Bento Rodrigues antes da tragédia-Vale passar por ali e transformar o solo em minério, o Rio em minério e o coração das pessoas em minério, pois muitos sucumbiram em depressão após a lama. 

Senti a ancestralidade indígena e negra em meio as palavras da autora, versos que se transformavam em poesia e melodia. Por vezes, me perdi em meio a poesia, causos e contos dessa narrativa. As imagens também me trouxeram memórias ancestrais, uma verdadeira obra de arte.

Ao ler essa obra, senti também a vida, a personalidade e a estória que percorre em meio aos minerais, montanhas e rios, nossos ancestrais mais velhos que chegaram aqui antes de nós, e que contam histórias ao debruçarmos os nossos olhares sobre eles.

Deixo aqui, um trecho desse livro maravilhoso! De @mo.maie (Instagram da autora):

Rio doce,

moldurado

por matas ciliares.


Pai e mãe 

de antigos cardumes

de traíras,

tilápias 

e bagres.


Leito de

 estórias,

sonhos e

rotas,


tantas

águas,

tantas 

águas

e um desejo:


o de um dia

poder 

chegar

no mar


e ser mar...

segunda-feira, 6 de maio de 2024

Ancestralidade

Quanto mais entro em contato com a minha ancestralidade, mais às coisas parecem ganhar um novo sentido, uma nova percepção de mundo e um novo olhar sobre tudo.

Recentemente li o TCC: TEHEY DE PESCARIA DE CONHECIMENTO, pesquisa desenvolvida pelo parente indígena Werynehe, da etnia Pataxoop. Uma pesquisa riquíssima sobre oralidade, transmissão de conhecimentos ancestrais e educação indígena por meio da fruição com o cotidiano e a rotina da aldeia através do uso de imagens. 

Por meio dessa pesquisa, tive um insight ou ganhei um outro olhar sobre o mundo. Percebi que o ato de reclamar da chuva e do sol, está associado à lógica colonial de a natureza atrapalhar o "andamento" da cidade. Porque o indígena agradece pela chuva que molha a terra e traz consigo alimentos e todos os benefícios da chuva pra terra. Os Pataxoop fazem até ritual de gratidão após a passagem da chuva:

 "(...) No tempo das águas é muita fartura, é muita fruta dentro da nossa terra, todo mundo se junta e oferece, a gente oferece as plantas que plantamos o feijão, o milho, a pimenta, e todas as plantas que fazem parte da nossa cultura. É tempo de renovar as roças, os quintais, é tempo dos bichos estarem se alimentando e como é tempo de muita goiaba, jabuticaba, manga, de todos os alimentos, todos os tipos de fartura, de fruteiras, e a gente agradece com um canto, com dança, com grito, com sorriso e com a maior alegria. (...) Nós e a natureza vivemos com o pensamento um para o outro, e é de onde a gente recebe nossas curas. (...)" - Braz, Werynehe (p. 27, 2019).

Se você chegou até o final do texto, boa reflexão!


Por Thaís Alessandra 

#tbt 📷 de 2017

domingo, 14 de abril de 2024

O Penteado da Princesa Zuri - Janaina Nery

 

"Eu sou a princesa Thaís!". Foi assim que a minha criança interior se sentiu ao ler essa obra. Revisitei várias memórias, de um tempo em que eu me sentia errada por ter cabelo volumoso e cacheado, pois recebia vários apelidos racistas que afetaram a minha autoestima ainda criança. Se eu tivesse lido "O PENTEADO DA PRINCESA ZURI" naquela época, há trinta e poucos anos, iria entender que o meu cabelo sempre foi uma coroa e teria me empoderado da minha realeza , igual a princesa ZURI fez. Nunca tive uma vovó Zica para me orientar.

Indico para as crianças de todas as idades, inclusive para professores e pais que queiram trabalhar a autoestima dos nossos pequenos/pequenas. Além de uma excelente obra pra contribuir com a literatura antirracista, trazendo a ancestralidade e a cultura ancestral no penteado da trança, que passa de vovó Zica para a neta ZURI.

A obra também traz consigo belíssimas ilustrações, com traços simples que alcançam o nosso imaginário, carregando muita emoção em cada traço.

Quem se interessar, adquira o seu exemplar diretamente com a autora Janaina Ner.


Leiam a obra!

Resenha de Thaís Alessandra


quarta-feira, 13 de março de 2024

O SOM DO RUGIDO DA ONÇA - Micheliny Verunschk

O mundo por outras narrativas contadas a partir de "outros mundos"; mundos esses que saem da narrativa de animais como a onça; de ancestrais como o Rio Isa, que a menina Iñe-e compreende a sua voz e as histórias que esse rio carregava em si. 

Me impressionou muito essa perspectiva de mundo por meio de outras mitologias, outros seres não humanos, como o rio: "o rio tomou conta do asfalto com a força da chuva, e uma pessoa morreu afogada na rua. É a força do rio querendo voltar a ser rio". E, a terra: "a terra sempre vomita o que lhe faz mal, também os rios, especialmente aqueles a que se faz engolir a pulso as doenças ou o veneno (...). Uma grande montanha desengoliu o que a afligia, um sangue pastoso, a bile em brasa. Foram meses em meses vomitando aquela baba quente. Tanto que a montanha se apequenou depois daquilo, milhares de bichos, plantas, homens, mulheres e crianças morreram engofadas pela lava, sufocadas pelas cinzas". É como se a natureza devolvesse os maus-tratos na mesma proporção. Não por ser vingativa, mas porque o homem esquece que ele também é natureza. 

Além disso, a obra surpreende ao contar o sequestro de duas crianças indígenas brasileiras, que foram arrancadas de suas raízes para servirem de entretenimento e estudos científicos em Munique, do "outro lado do mundo". Essas crianças indígenas perderam a sua identidade, as suas referências e as suas vidas; e saíram de um país tropical para outro gelado, sendo submetidas a várias formas de violência na tentativa de evangelizar, doutrinar e civilizar essas crianças; como se elas precisassem disso para serem consideradas humanas. Isso me faz pensar em tudo o que está fora do padrão do que é considerado "a norma", ser submetido a violências para se adequar a outro padrão que é o da "norma". Houve uma tentativa de apagamento da memória dessas crianças indígenas, uma violência que advém da colonização.

Vejo um cruzamento entre a realidade e a ficção, que entrelaça fatos históricos, a narrativa da autora e a mitologia dos povos originários de diversas etnias, e a visão deles sobre o ocorrido com o sequestro dessas crianças, que parece estar entrelaçado ao mito da onça contado pela autora com alguns elementos fictícios e outros dentro da visão de mundo de algumas etnias originárias mencionadas pela autora no final da obra. Há também um elo entre a personagem Josefa, que reside em São Paulo e ao percorrer em busca da sua ancestralidade, viaja para Munique e se depara com a imagem de Iñe-e em uma exposição, criando uma sensação de pertencimento, identificação atemporal e ancestral com a menina indígena. "Josefa acaba impulsivamente por comprar uma passagem para Munique. Não sabe exatamente que vestígios segue em uma viagem ao revés do turismo. Segue evidências mínimas, pistas interiores difusas, escuta um chamado que não consegue distinguir de onde vem, mas ainda assim o escuta e segue". Só quem busca a sua ancestralidade sabe qual é esse caminho que a Josefa percorreu ao seguir algo que nem ela sabia o que era, mas sentiu.



Leiam a obra!

Resenha de Thaís Alessandra

                                                                                                                                            


domingo, 25 de fevereiro de 2024

TORTO ARADO (Itamar Vieira Junior)

 SENSAÇÕES A PARTIR DA MINHA LEITURA SOBRE ESSA OBRA

                                                                                   

    Uma obra atemporal! Fiquei muito atravessada pelo Brasil que reconheci nessa obra, um Brasil colonial e ao mesmo tempo atual, pois muitas coisas se repetem atualmente: o machismo que silencia muitas mulheres e principalmente as negras e as indígenas, a luta por território que atravessa tanto a luta quilombola quanto a causa indígena, o coronelismo que ainda perpetua por comunidades rurais. Teve momentos que me "confundia" como leitora se a obra falava sobre a luta indígena ou negra-quilombola, o que a meu ver não é algo negativo, pois há um marco histórico na construção do Brasil  desde a sua base, que é afro-indígena. Não acredito na luta decolonial sem abraçar as duas etnias juntas, o povo preto e indígena precisa se unir  para ganhar mais força em sua voz.

    Na narrativa também há uma ancestralidade que perpassa pelo rio, que é muito vivo nessa obra, uma crença ancestral, semelhante a crença dos indígenas, que enxerga a vida e a ancestralidade em cada ser que está presente aqui antes de nós humanos. O Rio narrado nessa obra carrega o sangue e o suor do seu povo e acompanha a história do seu povo presente no território Água Negra. Ele tem memória e tem nome, se chama Rio Santo Antônio. Tudo acontece as margens desse rio, a meu ver.

    O machismo inerente na história do Brasil também é denunciado nessa obra com maestria, e a obra tem como protagonismo o feminino. Alguns relatos me marcaram nessa narrativa: Belonísia casou com Tobias, e teve que ajeitar a casa para morar, pois ele a tirou da casa dos seus pais e a colocou em uma bagunça, uma casa desorganizada, cheia de entulhos e muita sujeira relatada por ela. Tobias era mais velho, tinha idade para ser o pai dela, e durante anos ela era praticamente "uma criada a seu dispor", a dispor do marido que a agredia verbalmente e diariamente se ela não o obedecesse, não fizesse a comida do jeito dele, ou algo do tipo. Até o sexo era pra dar prazer somente a ele. As agressões sofridas pela personagem eram por coisas bobas. O alívio veio com a morte dele. Assim, ela teve um "respiro", até se permitiu sentir um afeto maior por sua vizinha, a Maria Cabloca, que também era agredida por seu marido, porém fisicamente. O que leva um homem a achar que detém poder-posse sobre uma mulher, ou se sentir melhor que ela, tratando-a como uma escrava ou objeto de satisfação do seu prazer pessoal? Essa também é outra luta desse Brasil relatado pelo autor com maestria, um Brasil patriarcal, sexista, escravocrata e colonial, que ainda perpetua nos dias atuais, independente da classe ou do poder aquisitivo da mulher, mas principalmente perpetua na vida de mulheres negras periféricas e dependentes financeiramente, e também perpetua em comunidades indígenas patriarcais que em algum momento reproduzem a opressão do homem branco. E isso ainda se perpetua nos dias atuais com os altos índices de feminicídios. Foram inquietações que passaram em minha mente ao me conectar com essa história. Por ser mulher e afro-indígena, essa parte da narrativa me tocou muito e em vários  trechos, já que várias personagens "padeciam desse mal". Inclusive os desfechos finais dessa obra revelam o porque Donana escondia aquele punhal, ela guardava ele como um segredo, pois além de pegá-lo da Casa Grande pensando em conseguir dar um sustento maior para a sua família, o que não ocorreu; ela chegou a matar o seu companheiro no início da sua jornada, pois o pegou "em cima" de sua filha, ainda menina. Ele convivia com ela como se nada tivesse acontecido, mas havia feito algo que a sociedade "dá licença" para o homem praticar devido a sua estrutura machista e patriarcal. Tudo isso me atravessou bastante enquanto mulher, o que o machismo obrigou as mulheres a fazerem para se defender, transformando-as em assassinas, ou algo do tipo.

    Além dos relatos dos abusos do machismo estrutural presente no Brasil narrado por essa obra ficção-realidade, a sensação que eu tenho é que TORTO ARADO também questiona a "posição" do sexo frágil imposta pela sociedade as mulheres, pois a obra também retrata a força da natureza que toda mulher carrega em seu ser, da mulher-onça (Belonísia) que não emitia voz, mas o seu rugido era presente em cada ataque voraz para se autodefender; descendente de Donana, aquela que "pariu no canavial, ergueu a casa e a roça na força do seu próprio punho (trecho retirado da obra referenciada nesse post)". O final dessa narrativa ainda surpreende quando nos faz pensar que essa mesma onça (Belonísia), pode ter sido a responsável pela morte misteriosa de Salomão. Pois ele tentou capturá-la e ela soube se defender. Mas, esse é um mistério!

    Ainda no desfecho dessa obra, Belonísia e Bibiana, as irmãs que há muito tempo não se comunicavam, as mesmas que se acidentaram com um punhal no início dessa narrativa, tornando uma irmã como a porta voz da outra, elas se abraçaram como se concedessem uma a outra o perdão, se conectaram como no início da trama e com tamanha força que a leitora sentiu aquele abraço tão bem narrado pelo autor. Elas se conectaram como no início da trama ao cortarem a língua, talvez com a mesma dor cravada por aquele punhal, porém agora cravado no coração de ambas, pela dor emocional da partida do filho-sobrinho.

    O punhal também me pareceu outro personagem, que sempre aparecia nas mãos da força-natureza das protagonista desse enredo, para que elas de alguma forma se defendessem do opressor de suas vidas. Foi assim com Donana ao ter que se defender do seu companheiro que violentou a sua filha ainda menina e foi assim com Belonísia que "em um golpe de onça" certeiro se defendeu de uma emboscada. 

       A espiritualidade e as práticas religiosas de religiões de matriz africana também são presentes nesse enredo, praticas curandeiras que se mantinham vivas através de Zeca Chapéu Grande, até ele virar um encantado e ter suas terras ocupadas por um fazendeiro, o Salomão, Cristão, que fez outras regras naquele território, inclusive havia uma desconfiança de que era o autor da morte de Severo, o genro que continuava a luta por território iniciada por Zeca Chapéu Grande. O que me faz crer que a disputa por território ali presente era a causa daquela morte-armada. É tão viva a ancestralidade nessa obra, que os espíritos dos encantados "ganham voz, corpo e imagem", e auxiliam os vivos, eles têm nome, representatividade e "cavalgam" no corpo do seu cavalo (vivo), e auxiliam eles na "lida do dia a dia". 

     Fiquei muito impressionada com a formação das imagens que durante a narrativa iam se formando em meu imaginário, ITAMAR VIEIRA JÚNIOR faz isso com primazia. Eu conseguia imaginar o punhal descrito em detalhes, a mala velha de Donana, o pedaço de tecido velho, as cores do carro que socorreu as protagonistas durante o incidente que elas sofreram ao cortarem a língua com aquele punhal. Tudo é narrado em detalhes, com cores, inclusive! O carro tem cor, o rio tem cor, o que faz a gente não desviar o pensamento e imaginar o que está sendo narrado o tempo todo.

    

RIO DE SANGUE... 

    Há várias denúncias implícitas nesse enredo, que delatam a "herança de um Brasil escravocrata": a morte de Severo, que é mal investigada pelas autoridades locais e dão por encerrado o inquérito policial com um falso veredito de tráfico de drogas, somente para justificarem aquela morte, manchando a honra e a história da família que ali ficavam a mercê do coronelismo da fazenda Água Negra, terra que carregava o sangue e o suor de muitos pretos que tinham ali o seu sustento em troca de moradia, pois "os donos pisavam os pés nesta terra só para receberem o dinheiro das coisas que plantávamos nas roças" (trecho retirado da obra referenciada nesse post). Diante desse falso inquérito, Bibiana, viúva de Severo teve que lutar para que não manchassem a morte-vida do seu companheiro, pai de seus filhos, pois ela sabia que a justiça não existia na prática. Pois, ao sair da fazenda em busca de "uma vida melhor" para ela e sua família, Bibiana foi moradora de periferia na cidade, e via vários policiais "usarem a mesma desculpa de drogas para entrarem nas casas, matando o o povo preto. Não precisa nem ser julgado nos tribunais, a polícia tem licença para matar e dizer que foi troca de tiro. Nós sabíamos que não era troca de tiros. Que era extermínio" (trecho retirado da obra referenciada nesse post)

A obra também usa um "eu épico e lírico" para delatar as injustiças sociais de um Brasil rural, que tinha posse de suas terras, herança do seu povo que eram livres antes da igreja demarcar "o seu território", tornando os moradores escravos para que usufruíssem das terras que eram deles por direitos. O que a meu ver traz a memória a escravidão indígena que ocorreu no Brasil colonial, a qual a igreja demarcava o território que os indígenas deveriam habitar e os escravizavam.  Ou seja,  TORTO ARADO traz na literatura a história de um Brasil colonial e os "traços" desse Brasil na contemporaneidade.

           Por Thaís Alessandra


Dica de 📚 leitura:



terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

A 365 DEGRAUS DO FIM



Dica de Leitura:

Visão geral do livro

"Saúde mental dos jovens: uma discussão super necessária para os dias atuais!" Thaís Alessandra

Alerta de gatilho: reflexões sobre saúde mental de jovens e adolescentes + o suicídio como situação de saúde pública + reflexões sobre os traumas acumulados em uma vida + (in)capacidade de superar + cura e libertação





 

SINOPSE

A 365 degraus do fim


Sabrina chegou aos 17 anos e achou que era o bastante. Viver nunca fez sentido mesmo, ela tinha insistido o suficiente.

Abandonada, negligenciada, preterida, fora do padrão, doente, sem amigos, sem futuro. O prédio grande e tão abandonado quanto ela pareceu um bom cenário para o fim. Ao menos isso ela escolheria.

Toda dor importa.
Nenhuma dor deve ser desprezada.
Às vezes, a única atitude necessária é olhar para dentro.
A verdade costuma ter três lados: o meu, o seu e o da plateia que observa de fora.

Sabrina pode estar sentada ao seu lado no metrô. Pode estar na sua rua, na sua vizinhança. Sabrina pode morar na sua casa e você não sabe o que ela sente. Ou pensa em fazer. Preste atenção aos sinais, ela era apenas uma adolescente. Antes tinha sido uma criança, nem mudou tanto assim.

Quantos jovens guardam bem fundo suas dores para que o mundo não os questione?

Não enxergar uma saída não significa que ela não exista.

Fale com alguém, Sabrina. Não suba o último degrau.


Autora: Adriana C. A. Figueiredo
Instagram: @estreiademae



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A obra está concorrendo ao prêmio AMAZON de Literatura Jovem.






quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

BECOS DA MEMÓRIA & QUARTO DE DESPEJO: DIÁRIO DE UMA FAVELADA

Percepções
 de uma leitora-escritora sobre o "ponto de encontro" dessas duas obras literárias

Por Thaís Alessandra



Embora o contexto da favela narrada por Conceição Evaristo seja provavelmente  da década de oitenta, pois Becos da Memória ficou "engavetado" por vinte anos, tendo a sua 3ª edição publicada em 2006, alguns elementos dessa narrativa, a meu ver remetem ao QUARTO DE DESPEJO de Carolina Maria de Jesus: 
a torneira onde os moradores desciam pra pegar água,  a vendinha onde todos compravam seus alimentos, entre outras coisas; além da miséria, do descaso e abandono das autoridades com os favelados. Além disso, Conceição Evaristo relata as escrevivências de suas memórias, misturadas a ficção. Já Carolina Maria de Jesus, relata personagens e fatos reais do contexto periférico dos anos cinquenta em que vivia, uma época sem assistência social nenhuma, aonde permeava a miséria e a consequente invisibilidade social do pobre. Em ambas as narrativas, há uma favela que não existe mais, pois atualmente como a própria Conceição Evaristo disse "hoje as favelas produzem outras narrativas, outros testemunhos, e inspiram outras ficções. 

A meu ver, é notório a inspiração de Conceição Evaristo na obra Quarto de Despejo de Carolina Maria de Jesus, talvez seja a condição de ser mulher preta que as "atravessem" também na escrita. Mas, o fato é que vi certa semelhança nessas duas obras literárias. Em BECOS DA MEMÓRIA, não observei um protagonista na obra, parece que todos têm o seu papel principal, Vó Rita, Maria-Nova, Maria-Velha, Tio Totó, Cidinha Cidoca, Bondade, entre outros personagens, todos assumem o papel principal, mas "nenhuma narrativa é mentira, mas também não é verdade", segundo Conceição Evaristo. Já na obra QUARTO DE DESPEJO, o protagonismo é da autora que faz da sua obra a sua biografia de vida e relata com maestria o contexto do dia a dia da sua favela, descrevendo em detalhes todo o contexto periférico dos anos cinquenta, sem assistência social, completamente miserável e a margem, ao qual vivia a autora, que tinha a fome como a protagonista da sua obra, a meu ver. 

As duas obras narram de forma divergente a cultura nas periferias. Interessante observar o quanto BECOS DA MEMÓRIA traz a noção de pertencimento, identidade e comunidade dos moradores da favela que se sentem ameaçados e sem saber para onde vão mediante a ameaça de desmanche da favela que "expulsam moradores miseráveis para lugares longínquos em que a vida será, certamente, ainda mais difícil" (Conceição Evaristo/Becos da Memória, p. 195). O que me faz pensar que, expulsando eles da favela seria uma forma da sociedade mostrar o quanto eles não podem se aglomerar para construir a sua própria cultura, habitar e ocupar a cidade; e ao mesmo tempo deslocando eles feito animais para lugares onde eles perderão a referência da comunidade e a própria identidade que eles construíram enquanto vivência comunitária com os moradores entre si. 

O fato é que para BECOS DA MEMÓRIA traz um pesar dos moradores com o desmanche da favela, e em QUARTO DE DESPEJO o maior sonho de Carolina Maria de Jesus era sair daquele ambiente que a fazia tanto sofrer. A favela para Carolina Maria de Jesus não era nada romantizada, pois a autora não tinha identificação com os moradores do seu beco, ela parece usar a sua obra como uma espécie de denuncia contra aqueles que perseguiam os seus filhos dentro da sua própria comunidade, além de relatar a sua insatisfação com a fome, com a sujeira, com a miséria, com o descaso político que eles sofriam; há também o relato da autora sobre as crianças terem acesso a todo tipo de coisas que elas não deveriam experimentar nessa fase, como brigas de casal que pareciam relatar violência doméstica, mulheres nuas sendo vistas por eles ao saírem de seus barracos para fugirem das agressões de seus companheiro, entre outros relatos. 

A favela narrada por QUARTO DE DESPEJO também apresenta  cultura, sessões de cinema comunitário, músicas na igreja e outros relatos da cultura local; BECOS DA MEMÓRIA também relata a cultura na favela, mas a autora também menciona a ligação histórica da senzala-favela através do personagem Tio Totó que veio para a favela descendente de pais escravizados. 




Há muitas denuncias implícitas nessas duas obras, que deixa explícito a "herança da escravidão" por meio de um Brasil cruel e escravocrata, que  dá aos favelados condições subalternas de vida ao ocuparem espaços na cidade, saindo de um Brasil colonizado.




sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

A autoestima dos sapos

Eu prefiro ser rainha do que princesa! Mas, enfim... bora discutir sobre a autoestima de alguns sapos que a gente encontra por aí. É impressionante! E pior que se a gente não estiver com a nossa autoestima fortalecida , a gente cai na conversa do sapo e adoece emocionalmente. 


Embora eu não acompanhe o Big Brother, eu acompanho as redes sociais, e essa discussão me fez enxergar muita coisa que nós mulheres enfrentamos nessa sociedade estruturalmente machista: como a nossa autoestima é afetada pelos padrões estabelecidos, e a maioria dos homens, não importa o "qual sapo sejam", têm a autoestima mais fortalecida que a nossa. E o quanto isso "dá licença" para eles usarem esses padrões sociais e machistas para detonaram ainda mais a nossa autoestima.


Eu mesma já encontrei vários sapos que tentaram abaixar a minha autoestima:


"O efeito Cinderela acabou?" (fala desses sapos quando passei pela transição capilar)


"Se você engordar mais eu termino com você" (fala de outro sapo que me relacionei por anos, e tive até que optar pela minha saúde mental para não enloquecer ao lado "desse sapo").

Imagino que várias mulheres lindas, inteligentes, criativas, entre outras qualidades,  tenham sido intoxicadas por "um sapo" um dia. Eu não sei aonde eles arrumam tanta autoestima, afinal, são sapos.




Texto: Thaís Alessandra

Ilustração Desenhos do Nando

Texto autoral de Thaís Alessandra (@thais.alessandra_). *Não divulgue sem mencionar os créditos! Sujeito as penas da Lei 9.610/98 (Lei de Direitos Autorais)*

terça-feira, 9 de janeiro de 2024

Ponciá Vicêncio. Impressões e sensações a partir dessa leitura.

     Ponciá Vicêncio era de uma vila onde só tinha parentes que "formavam familiares entre si". Eram todos Vicêncios. Herança escravocrata que a vila Vicêncio deixou. 

    O que me impressiona nessa obra é a semelhança com a minha história e a de muitos afro-brasileiros, que têm que sair das suas cidades interioranas para a cidade grande (capital) em busca de uma nova história, uma nova vida, ou em busca de uma "ilusão" que as coisas irão melhorar na capital. E assim, muitos deixam as suas casas, cansados dos coronéis que enriquecem em meio ao trabalho árduo na lavoura, como Ponciá cansou de ver os seus, e inclusive o seu pai que perdeu a vida na lavoura para enriquecer um coronel da vila Vicêncio; soube também do seu avô que enlouqueceu a ponto de matar a própria mulher no desespero de não querer mais aquela vida miserável para si. Ponciá cansou de ver, viver e ouvir essas histórias em sua vila. O seu avô partiu (morreu) quando ela era apenas uma menina, criança de colo, e ela havia herdado uma herança dele, só revelada no final, desfecho surpreendente dessa obra.    Ponciá também não conseguia sobreviver do barro, em sua vila; barro esse que ela ajudava a mãe criativamente a moldar para transformá-lo em arte, miniaturas e objetos criativos. Então, devido a tudo isso, ela decidiu partir aos dezenove anos, pensando em voltar assim que ela se estruturasse financeiramente para dar uma vida melhor a sua mãe e ao seu irmão mais novo, o Luandi. 

    Ponciá sabia ler, aprendeu com os missionários em sua vila. Ela achava que isso seria o suficiente para se dar bem na cidade grande. Chegando de trem na cidade grande, deixou para trás seu irmão, a mãe e tudo o que ela amava. Virou pedinte na escadaria de uma igreja, onde ela se "hospedou" em uma marquise, e desesperada por uma oportunidade de trabalho ao abordar uma senhora nessa igreja, conseguiu "a tal sonhada oportunidade naquela cidade", ela se tornou doméstica em uma casa de família. E assim, ela se sustentou.

    Com o tempo, Ponciá foi ficando apática, "sem vida", e em suas lembranças tentava trazer a mãe e o irmão para perto de si; até que chegou a retornar a sua vila, mas não viu os seus, só conseguiu recuperar o seu avô-barro que ela moldou em sua infância. Foi vítima de violência doméstica na cidade grande, e ela apanhava do marido, o que a fez perder a vivacidade aos poucos, pois devido a tanto sofrimento, ela ficava parada as vezes, apática, sem conseguir se mover e olhando para o nada.

    Mal sabia ela que o seu irmão a procurava, e na tentativa de melhorar a própria vida, ele também foi para a cidade grande depois de Ponciá. Luandi chegou a dormir  na rua e foi encontrado por um soldado que o deu abrigo em uma delegacia, onde ele cuidava da limpeza do local. Ele queria obcecadamente ser um soldado e achava que se aprendesse a ler, conseguiria essa oportunidade. Depois de um tempo, Luandi Vicêncio também regressou até a vila Vicêncio em busca de notícias da mãe e da irmã Ponciá. Ele retornou com uma roupa velha de soldado , que conseguiu emprestado do amigo Nestor (soldado). Luandi se sentia importante com aquela roupa e queria que a sua vila o visse assim. Chegando lá, ele não encontrou sua irmã e muito menos a sua mãe. Mas, percebeu que elas estavam vivas, pois a irmã deixou um sinal da sua existência ao "pegar o avô-barro em um baú velho que estava em sua antiga casa; só podia ser ela, ninguém mais curtia essa lembrança". Então, Luandi teve notícias que elas estavam vivas. 

Algumas impressões e sensações a partir dessa leitura:

    Outra reflexão que me atravessa nessa obra são as oportunidades concedidas aos negros da roça que vão para a cidade grande.

     O umbigo dos irmãos enterrado na terra (vila Vicêncio) em que Ponciá e Luandi nasceram, representa espiritualidade, identificação e identidade com a terra em que eles nasceram, e que eles foram obrigados a abandonar em busca de um sustento na cidade para fugir do coronelismo, que eles pensavam estar somente naquela vila. Mas, Ponciá acabou se tornando empregada doméstica; uma moça extremamente criativa e cheia de sonhos que se perdeu ai. E o seu irmão Luandi, que se tornou agente de limpeza de uma delegacia. Como eles iriam ajudar os seus? Suponho pelo desenrolar dessa obra que ganhavam pouco nesses trabalhos que os foram concedidos na cidade grande. Além disso, a meu ver, parece só mudar os coronéis, pois se na vila Vicêncio eram eles quem enriqueciam as custas do povo que cada vez mais pobres ficavam apesar do trabalho escravo. Na cidade grande, não me pareceu muito diferente disso. Herança de uma sociedade escravocrata.

    A capacidade de delinear a dualidade dos personagens também me impressionou bastante no desenrolar dessa história, a exemplo do avô de Ponciá que matou a sua avó antes que ela a conhecesse, em um gesto de desespero e loucura devido a miséria de sua vida, por não aguentar mais ser explorado pelo coronelismo, herança escravocrata que os Vicêncios deixará em seu povoado-vila. Mas, ele também era assassino. O que faz dele uma espécie de vítima-vilão. E assim, há dualidade no companheiro de Ponciá também, que também carrega em sua identidade uma vítima-vilão, pois ele agridia e espancava a mulher, e ao mesmo tempo  sofria da solidão em uma cidade grande junto dela.

    A herança que Ponciá recebeu de seu avô também se destaca nessa obra, pois não é algo comum. É uma herança de personalidade; ela herdou o choro-sorriso, a loucura dele e o vazio que acumulou com o sofrimento vivido. Ela havia perdido sete filhos, se perdeu da mãe e do irmão também em busca de uma melhor oportunidade na cidade grande.

    O final também me surpreendeu bastante, o reencontro da mãe com os seus filhos, Ponciá e Luandi. Além disso, Luandi descobre que o seu sonho de ser soldado não era mais tão importante ao se deparar com a irmã tão "perdida de si, com a herança que o seu avô deixou para ela: o vazio, o jeito de se portar e a mente perdia no tempo.    Outro desfecho surpreendente é quando a mãe descreve que Ponciá era filha emprestada para ela, pois ela descobriu isso quando a menina chorou no seu ventre, e ela se acalmava no rio. Me parece que a trama também se desvenda com a espiritualidade ali presente. A meu ver, parece que a autora descreve uma filha das águas, filha de Oxum.    Outra personagem me desperta o foco na espiritualidade: a velha Nêngua Kainda, uma espécie de deusa-maternal, uma entidade conselheira mais velha que habitava na vila Vicêncio, e que acertava as suas previsões e todos a ouviam. Diante disso, a meu ver a obra retrata a espiritualidade da ancestralidade negra, como uma espécie de outra personagem para desvendar essa trama. Um dos romances mais lindos que li e "me tomou os olhos" por diversas vezes. 

     Ponciá Vicêncio - primeiro romance publicado de Conceição Evaristo.

Por Thaís Alessandra

segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

Ano, novo?

Ano, novo?

A divisão do tempo 'passado-presente-futuro' é uma ilusão que parece real.

O tempo é continuidade e extensão do ontem.

Extensão do 'ontem-ano'.

A felicidade imposta de celebrar o efêmero dessa 'passagem-ilusão-real' faz o invisível social obrigatoriamente sorrir diante da promessa de um ano melhor, pois se entristecer é proibido, afinal, o ano é "novo".

Assim vários anos se repetem de fome, descaso social e político, desemprego, e no final, o sorriso imposto da festa de um ano novo.


 Poesia autoral de Thaís Alessandra (@thais.alessandra_)*Não divulgue sem mencionar os créditos! Sujeito as penas da Lei 9.610/98 (Lei de Direitos Autorais)*

quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

Ancestralidade

#poemaautoral✍ por @thais.alessandra_

A ancestralidade é viva! Transcende e perpassa em nós como um rio que desagua suas memórias da nascente ao mar.


Falo por todos aqueles que vieram antes, 

que permanecem em minhas memórias ancestrais, 

em meus poros, 

em meu ventre,

e no meu "futuro-presente".


Em cada palavra escrita ou arte expressada, 

é como se abrissem um portal do tempo a me guiar.

Sinto o pulso cósmico da minha identidade ancestral a me impulsionar.


Falo por todos aqueles que vieram antes, 

que permanecem em minhas memórias ancestrais, 

em meus poros, 

em meu ventre,

e no meu "futuro-presente".


A ancestralidade é viva!

 Aqueles que foram, são presentes.


#repost da imagem: Facebook RepNegraLivramento

Poesia autoral de Thaís Alessandra (@thais.alessandra_). *Não divulgue sem mencionar os créditos! Sujeito as penas da Lei 9.610/98 (Lei de Direitos Autorais)*

quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

INSUBMISSAS

Queremos SER notadas,

Desejadas,

Amadas,

E até cortejada. Mas, nunca, assediadas!


Queremos ser ouvidas na velocidade da LUZ!

E, não queremos SER homens para sermos ouvidas!


Que o seu elogio não silencie o nosso intelecto,

invisibilizando a nossa potência para sermos belas aos seus olhos.


Chegue bem de mansinho,

porque aqui além de um par de peitos e bunda, TEM CÉREBRO!

SOMOS INSUBMISSAS!



Poesia autoral de Thaís Alessandra (@thais.alessandra_), divulgada na coletânea Diversidade Poética - organizada por @marialuizabrasilescritora e @lupoetizando

Não divulgue sem mencionar os créditos! Sujeito as penas da Lei 9.610/98 (Lei de Direitos Autorais)



quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

IDEIAS PARA ADIAR O FIM DO MUNDO & FUTURO ANCESTRAL - de AILTON KRENAK

 

As sensações que tive ao ler IDEIAS PARA ADIAR O FIM DO MUNDO foi a de "abraçar a perspectiva do autor" que critica o conceito de humanidade vigente, aonde o homem se percebe como algo separado da natureza, além de nos provocar a respeito dos "ambientes artificiais" que estamos reservando para as futuras gerações viverem como se fossem uma lembrança do que existiu na terra. O autor ainda nos provoca se é esse o ambiente que as futuras gerações gostariam de habitar. Para krenak, devemos deixar um rio intacto para as sete gerações futuras, mas "usamos o rio para joga-lo fora depois", pois nos entendemos como algo separado dele.

Nessa obra, o autor ainda menciona que o conceito de humanidade está fadado ao fracasso, porque o homem é uno com a natureza, mas se percebe como algo distante dela, como se o meio ambiente fosse algo separado de nós, como se fosse uma disciplina acadêmica. 

Krenak ainda afirma que não somos os únicos seres a ter uma personalidade própria ou um estilo de vida, pois até uma pedra ou um rio que é um ancestral nosso, e segundo o autor ele é nosso avô, pois está aqui bem antes de nós, têm personalidade própria. 


Já a obra FUTURO ANCESTRAL, nos traz uma perspectiva muito interessante sobre os rios que estão aqui antes de nós, são nossos ancestrais e são vivos, mas estão sendo destruídos para construção de hidrelétricas e barragens que mudam o curso natural deles para que se estabeleçam as cidades.

O autor também nos provoca várias reflexões sobre as cidades, que são construídas segundo a lógica do capitalismo, pois se mantém pelo padrão vigente do sanitarismo urbano e extermina tudo aquilo que não é considerado limpo, "o ideal é comprar uma batata limpa no supermercado", pois a terra representa sujeira, "quando foi que a terra virou sujeira?", questiona o Krenak nessa obra.

Além disso, o capitalismo e as cidades de acordo com o autor, se mantém pela lógica da pobreza, pois tira-se o homem do campo ou o indígena do seu habitat natural, que os permitia pescar, plantar e caçar livremente e os colocam em periferias ou ambientes subalternizados com restrições alimentares e outros acessos limitados.

A obra também nos faz refletir sobre a educação formal que formata a criança, ao invés de deixá-la com o pensamento livre para criar novas perspectivas. Segundo Krenak nascemos prontos, com a nossa própria identidade, mas somos moldados pela educação formal, e o " mistério indígena, que passa de geração em geração é colocar o coração das crianças no ritmo da terra".

Recomendo a leitura de ambas as obras para descolonizar o pensamento!
Por Thaís Alessandra

quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Das Cinzas da Senzala, O Levante.

Percepções pessoais e sensações sobre a obra de Adriana Santana, "Das Cinzas da Senzala, O Levante":


O romance Úrsula de Maria Firmina dos Reis foi o primeiro romance a me afetar dentro dessa temática, pois trazia a óptica dessa autora que viveu no século XIX e deu voz as dores dos negros escravizados por meio da sua obra, em uma época em que eles não tinham voz.  Maria Firmina dos Reis me fez sentir, mais do que compreender, sentir as  próprias vivências de desumanização que essas pessoas tragas a força da África para o Brasil viveram ao serem escravizadas em terras "além mar", mas segundo o "olhar deles" e não como foi contado para nós através da história. 


Em analogia a esse grande romance do século XIX, apresento a obra "Das Cinzas da Senzala, O Levante", romance premiado em 1o. Lugar - Prêmio Maria Firmina de Literatura - Novos Autores 2021, que a meu ver também (des)silencia aqueles que não tinham voz naquela época. Além disso, todos os elementos da cultura afro-brasileira que foram descritos nessa obra foram relatados com tanta maestria, quase que de forma poética, emocionando "a leitora que se questiona se aconteceu mesmo o que está sendo narrado na obra". 

 
Do início ao fim, a gente sente o levante acontecer, e a esperteza da guerreira Njinga, do Pai João e de todos os negros da senzala que usavam a língua nativa para se protegerem, pois só eles entendiam aquela língua que os brancos da Casa Grande não compreendiam, e como eles eram constantemente vigiados, a língua era uma forma de comunicação para eles seguirem rumo a liberdade sem serem percebidos.

Impressiona-me nessa obra a ligação da menina guerreira Njinga com o Pai João, que ultrapassa a morte, pois ele sempre a guiava e aparecia para ela em diversos momentos. A espiritualidade aparece na obra quase que como um outro personagem, sendo temida pelos da Casa Grande, que tinham muito medo desse lado dos negros escravizados, sendo atribuída por eles como feitiçaria. Mas, ela era também uma forma de proteção, em diversos sentidos, e por causa desse medo dos brancos, o Pai João foi ouvido pelo Jerônimo, personagem que confesso ter tomado ódio no decorrer da obra, "ôh, sinhozim odioso!".

A ginga, a língua, os negros da terra, a espiritualidade, a lua que separava o tempo para que o levante acontecesse; o assobio que conduzia a Njinga a mata, direcionando a menina em direção aquele som até encontrar a sua mãe; e os cânticos introduzidos quando algum personagem negro "atravessava o rio (morria)", tudo tem poesia nessa obra.

Além da obra inteira, dois trechos me marcaram bastante: quando Njinga tem que raspar as suas tranças, que traziam memórias do Pai João que ao trança-la contava histórias. Mas, a trança foi raspada para que ela fosse marcada como escrava do Jerônimo. O segundo trecho, foi quando a menina nasce e a mãe Benedita manda que ela beba o leite rápido porque iria ser dado a menina branca, o que imagino ter sido muito difícil para a maioria das mães pretas daquela época.

Contaram para Njinga que sua mãe Benedita foi morta no tronco, e a garota retoma o contato após voltar para a Casa Grande e descobre que sua mãe estava viva na mata junto aos negros da terra, pois teve que se esconder por lá durante anos para sobreviver.

O final nos surpreende ainda mais, leiam a obra e descubram quando o canto da liberdade foi entoado entre os negros da senzala.


Resenha feita pelas sensações vivenciadas por mim enquanto leitora dessa obra.

Thaís Alessandra




domingo, 22 de outubro de 2023

Quarto de Despejo: diário de uma favelada/Carolina Maria de Jesus

 OBRA:

Quarto de Despejo: diário de uma favelada/Carolina Maria de Jesus; ilustrações de No Martins. -- 1ed. -- São Paulo: Átila, 2020. 264 p. Edição comemorativa.


PERCEPÇÕES PESSOAIS SOBRE ESSA OBRA:

O que me impressiona aqui é a fome como protagonista da sua obra, e a saúde mental afetada por essa "protagonista que rouba a cena sem ser convidada". Por diversas vezes, a autora menciona que tinha vontade de suicidar-se e viu diversos favelados passarem por esse desfecho:



"Ela disse-me que já está com nojo da vida.  Que não vê a hora de morrer.

Ouvi seus lamentos em silêncio e disse-lhe:

- Nós já estamos predestinadas a morrermos de fome!". PG 132

Já a autora padece desse mesmo mal:

"(...) Hoje acordei não temos nada pra comer. Queria convidar os filhos para suicidar-nos. Desisti. Olhei meus filhos e fiquei com dó.  Eles estão cheios de vida. Quem vive, precisa comer. Fiquei nervosa, pensando: será que Deus esqueceu-me? Será que ele ficou de mal comigo?". PG 161

(...)



Essa obra a meu ver é atemporal, e nos convida a refletir sobre a miséria e como ela afeta a saúde mental dos que estão à margem ainda nos dias atuais. ..


A autora em alguns trechos da obra se deprime e em "outros ela canta", canta principalmente quando a sua panela fica cheia e pode em raros momentos "matar à fome" dos seus filhos.


A minha impressão como escritora e artista múltipla é que Carolina de Jesus só não enlouqueceu ou morreu de fome porque "a escrita a alimentava".

FICA A REFLEXÃO:

Será que o Brasil se preparou mesmo para "libertar os seus escravos" ou apenas incutiu-lhes condições semelhantes após a abolição?

Como vamos acabar com a violência, se os que estão à margem vivem miseráveis, e irritados devido aos efeitos colaterais da fome.

Será que o Estado cuida da saúde mental dos (in)visíveis sociais, e quer mesmo os guardar e os proteger enquanto cidadãos de direitos?


Poderia expor diversas afetações pessoais sobre essa obra, entre elas:
 "ter uma ideia fixa sobre a fome, talvez seja a maior forma de nos matar", pois falar e pensar somente sobre isso tirou o tempo precioso da autora com os seus filhos e com a sua própria literatura.


A favela também escreve!

Sigo apaixonada pela literatura!


Indicação de 📚 leitura

QUARTO DE DESPEJO: DIÁRIO DE UMA FAVELADA, de Carolina Maria de Jesus #carolinadejesus 


Provocações:

Será que temos que ter o melhor português e estarmos vinculados a uma instituição acadêmica para sermos intelectuais?

Será que o conhecimento acadêmico é melhor que a sabedoria popular? 

Por que uma obra best seller foi considerada durante anos como uma literatura inferior?


"Eu disse para a Dona Maria que ia para a televisão.  Que estava tão nervosa e apreensiva. As pessoas que estavam no bonde olhavam-me e perguntavam-me: é a senhora quem escreve?

Sou e.

- Eu ouvi falar.

Ela é a escritora vira-lata, disse a Dona Maria mãe do Diogo. Contei-lhes que um dia uma jovem bem vestida vinha na minha frente, uma senhora disse:

- Olha a escritora!

O outro ajeitou a gravata e olhou a loira. Assim que eu passei fui apresentada.

- Ela olhou-me e disse-me:

- É isto?

E olhou-me com cara de nojo. Sorri, achando graça.

Os passageiros sorriram. E repetiam. Escritora vira-lata" (PERPÉTUA, 2000, p. 332).


Fica a dica de leitura! 📚 

Por Thaís Alessandra/@thais.alessandra_